Atenção visual, movimentos oculares e decisões financeiras
- Janaína Brizante
- 8 de out. de 2020
- 13 min de leitura
Atualizado: 11 de jan. de 2021
Apesar da ilusão de que cenas visuais são percebidas claramente e de forma homogênea em apenas “uma mirada”, a acuidade visual em humanos decai rapidamente em função de excentricidade – da distância, em graus de ângulo visual, da linha de visão – como resultado da distribuição retiniana de fotorreceptores (com a fóvea rica em cones e sua periferia rica em bastonetes). A visão fora dos poucos graus centrais do campo visual é extremamente pobre. Isso significa que pessoas precisam mover seus olhos em direção a diferentes posições do espaço visual a fim de perceber com acuidade informações contidas nele. Esses movimentos oculares são compostos de sacadas e fixações (Purves et al., 2013). De três a quatro sacadas são realizadas, aproximadamente, a cada segundo, e em condições normais de iluminação e cognição, fixações têm duração média de 200 a 300 ms (Holmqvist et al., 2011). Sacadas são movimentos balísticos rápidos (de 600 a 700 graus/s) que levam o objeto atendido a incidir na fóvea, e são caracterizados por uma relação invariante entre pico de velocidade e amplitude (Becker, Fuchs, 1969; Gooding, Basso, 2008; Leigh, Zee, 1983). O tempo que transcorre entre a aparição de um estímulo até o início de uma sacada em resposta a ele é chamado de latência (latências de sacadas de amplitudes médias variam de 100 ms a 350 ms) (Abadi, 2006).
Comandos de movimento oculares são gerados em um conjunto de circuitos incluindo os campos visuais frontais no córtex[1] (CVF), e o colículo superior no mesencéfalo, que projeta para a formação reticular no tronco encefálico, que, então, organiza e coordena a ativação de músculos extra-oculares[2] por neurônios motores do tronco encefálico. Portanto, a coordenação de movimentos oculares está sobre controle direto do colículo superior, que recebe aferências visuais, auditivas e somestésicas (Bear et al., 2007), além de ser modulado por conexões com os núcleos da base. Estudos eletrofisiológicos em macacos, por exemplo, indicam que estas últimas estruturas desempenham papel importante na inibição e iniciação de movimentos oculares (Purves et al., 2013). Neurônios do núcleo caudado disparam potenciais de ação imediatamente antes do início de um movimento ocular; imediatamente depois, neurônios da substância cinzenta reticulada silenciam, resultando em disparos de potencias de ação no colículo superior, e na produção de um movimento ocular.
Apesar de parecerem ocorrer sem esforço, movimentos sacádicos podem envolver uma variedade de fenômenos cognitivos. Até mesmo a geração de uma simples sacada em direção a um estímulo súbito envolve ponderações complexas entre informações provenientes do estímulo (“de baixo para cima”) e de intenções e objetivos do indivíduo (“de cima para baixo”). E enquanto atenção parece estar intimamente ligada a movimentos oculares, a natureza precisa dessa relação permanece incerta (Hutton, 2008). Atenção pode ser definida como uma atividade neural que facilita o processamento de determinados estímulos visuais em detrimento de outros. A atenção que indivíduos voluntariamente dirigem para um aspecto particular do ambiente, como em direção a uma voz ou a uma localização no espaço visual, é chamada de atenção endógena. Ela diz respeito à habilidade de voluntariamente se atender a determinados estímulos a partir de objetivos, expectativas ou experiências individuais.
Acredita-se que sensibilidade a recompensa se manifeste através da circuitaria de movimentos sacádicos, e também da atenção (Hayhoe e Ballard, 2005). Grande parte dos estudos sobre atenção investiga, em macacos, a atividade de neurônios de uma região do córtex parietal posterior chamada área intraparietal lateral (IPL) e do CVF. Ambas as regiões corresponderiam funcionalmente às áreas parietais e frontais em humanos, onde estudos de imageamento têm mostrado atividade relacionada ao controle da atenção (Purves et al., 2013). Na IPL, neurônios envolvidos em sacadas em direção a um estímulo relevante respondem de forma gradual tanto à quantidade de recompensa esperada quanto à probabilidade de ela ocorrer, no período anterior à resposta (Hayhoe, Ballard, 2005). Segundo os autores, a atividade de neurônios da IPL é modulada por fatores associados não ao processamento sensorial ou o planejamento motor, mas a atenção e outros fenômenos cognitivos.
A IPL é um dos elementos críticos do sistema visual de controle de sacadas, e contém um mapa topográfico aproximado tanto de objetos no mundo visual, quanto dos movimentos oculares necessários para alinhar o olhar com esses objetos (Glimcher, 2003; Purves et al., 2013). Esta área projeta tanto para o CVF, quanto para o colículo superior, que contém mapas topográficos similares àquele em função. O CVF também faz projeções diretas para o colículo superior, e todas essas áreas são reciprocamente conectadas[3]. Por fim, conexões entre os sistemas motores do tronco encefálico e o colículo superior são mediadas por uma classe de neurônios coliculares que têm a propriedade biológica de disparar potenciais de ação tanto em frequência baixa (em que diferentes taxas de disparos são observadas), quanto em frequências muito altas, a taxas de disparos fixas (Glimcher, 2009). Acredita-se que a geração de um movimento ocular aconteça quando esses neurônios disparam acima de um limiar específico de disparos, depois do qual um surto ocorre e se auto-perpetua até que o movimento esteja completo. Interconexões inibitórias no mapa topográfico colicular parecem impedir atividades similares àquele surto de disparos mais do que em uma localização por vez, sugerindo que a arquitetura colicular permita que apenas um único movimento seja executado por vez. Estudos indicam que disparos de baixa frequência tanto na IPL quanto no CVF e no colículo superior estão relacionados à probabilidade de um movimento ser executado pelo animal. Desses três mapas, o que tem sido mais estudado em relação a decisões é a área IPL. Se a magnitude de uma recompensa ou sua probabilidade de ocorrência é sistematicamente manipulada, por exemplo, a atividade nesta área (taxas de disparos) parece codificar valor subjetivo relativo – o valor subjetivo de uma opção A em relação a todos os valores individuais das opções de escolha, incluindo A (Dorris, Glimcher, 2004).
De forma especulativa, modelos de geração de movimento ocular proposto por alguns destes estudos postulam que, a qualquer momento, neurônios na IPL representam valores subjetivos relativos imediatos de cada movimento no repertório sacádico. Movimentos que não possuem valores nulos são então representados, cada um deles, por atividade local no mapa (que seria linearmente proporcional ao valor subjetivo relativo). Acredita-se que a representação de valores subjetivos localizada no CPFm e no estriado ventral funcione como a fonte inicial deste sinal (Glimcher, 2009). Em suma, segundo Glimcher, IPL, CVF e colículo superior transmitem sinais que codificam valores subjetivos, e movimentos oculares ocorrem quando a atividade associada a uma das opções avaliadas como positivas (no sentido de ser maior do que zero) faz com que os neurônios coliculares associados a ela atinja o limiar de disparo discutido anteriormente.
Por refletirem alterações no sistema nervoso, movimentos oculares são alvos de estudos em indivíduos com diferentes desordens, como aquelas relacionadas ao espectro autista (Baron-Cohen et al., 1999; Leekam et al., 1998; Pelphrey et al., 2005), esquizofrenia (Crawford et al., 1998; Gooding e Basso, 2008; Fukushima et al., 1990; Ramchandran et al., 2004) e psicopatia (Corr, 2000; Raine, Venables, 1990). Indivíduos com desordens do espectro autista, por exemplo, apresentam deficiências na inferência de emoções e intenções do outro, apresentando padrões de fixações que fogem do triângulo olhos-boca presente em indivíduos “normais” quando da percepção de faces – fixando regiões como queixo, testa e orelhas (Purves et al., 2013). O conhecimento dessas alterações de movimentos oculares é importante não apenas no auxílio do diagnóstico dessas desordens, mas também em seu tratamento (como terapias envolvendo treinamento de fixações em determinadas regiões da face a fim de se aprimorar interações sociais, com indivíduos autistas).
Outro insumo importante de informações quanto a estados neurais provenientes da observação do olho é a dilatação pupilar. A pupila é um abertura ocular através da qual a “luz” se insere na retina. Envolta pela íris, que contém dois músculos responsáveis pela variação de tamanho pupilar, a pupila contribui para o funcionamento óptico através de um constante ajuste para diferentes níveis de iluminação ambiente, chamado de reflexo pupilar (Bear et al., 2007). Este reflexo envolve conexões entre a retina e neurônios no tronco encefálico controladores dos músculos que causam constrição da pupila. O reflexo pupilar é consensual: a incidência de luz em um olho leva à constrição pupilar em ambos os olhos (a falta deste reflexo consensual é sinal de séria lesão envolvendo o tronco encefálico).
Porém, a característica pupilar mais interessante para estudos de percepção e comportamento em humanos não diz respeito a movimentos pupilares diretamente relacionados a funções ópticas, mas sim a alterações refletindo atenção, cognição, emoção e dor (Beatty, Wagoner, 2000; Hess, Polt, 1964; Kahneman et al., 1969; Wang, 2009). Essas alterações ocorrem por influências do funcionamento do sistema nervoso autônomo (SNA). Este sistema dá origem a uma variedade de respostas fisiológicas, e é composto por duas divisões complementares: uma divisão simpática e uma parassimpática (Bear et al., 2007). Ambas modulam o diâmetro pupilar, em direções opostas: o sistema simpático dilata a pupila (como em momentos de estresse) e o parassimpático a contrai (como quando o indivíduo está relaxado).
Diversos estudos têm explorado essa característica da pupila, por ser o diâmetro pupilar boa fonte de medida não-específica, com alta resolução temporal, de esforço cognitivo (ver Beatty, Lucero-Wagoner [2000] para revisão). Estudos de neuroimagem sugerem que alterações em diâmetros da pupila se relacionam a atividades em regiões corticais frontais envolvidas em controle cognitivo (Critchley et al., 2005; Satterthwaite et al., 2007), apesar de os mecanismos envolvidos nessa relação não serem totalmente conhecidos. Vale destacar que o diâmetro pupilar oferece vantagens em relação a outras medidas de resposta do SNA. Ele é menos afetado por características individuais relacionadas a capacidade física, como fatores de aptidão física e massa corporal (o que ocorre com pressão sanguínea e frequência cardíaca, por exemplo) (Yechiam, Telpaz, 2011), e é modulado por ambas as divisões do SNA (respostas de condutividade da pele, por exemplo, são observadas apenas quando o sistema simpático está no comando). Este fato é pertinente em especial em estudos de tomada de decisão, em que alerta mediado pela divisão parassimpática pode ser relevante para o estudo do comportamento de aversão a risco, já que este sistema parece ser importante na reação defensiva e ansiedade (Lyonfields et al., 1995; Yechiam e Telpaz, 2011). No presente estudo, alterações no diâmetro pupilar foram analisadas nos diferentes cenários de decisão.
Portanto, movimentos oculares são críticos para a aquisição eficiente de informação durante tarefas de complexidade visual e cognitiva (frequentes no cotidiano dos indivíduos), e fornecem medidas do processamento cognitivo em tempo real (Henderson e Hollingworth, 1998; Pieters, Warlop, 1999; Rizzolatti et al., 1994; Russo, 1978). Atenção visual desempenha papel determinante na escolha por ser um mecanismo-chave de coordenação que mantém o processamento de informações e de outros objetivos ao longo do tempo (Chandon et al., 2008; Reutskaja et al., 2011; ver Glimcher, 2009 para revisão sobre os circuitos envolvendo movimentos oculares e comportamento). Assim, o estudo de movimentos oculares fornece dados dinâmicos sobre como pessoas exploram visualmente o cenário de decisão, informando sobre características da decisão que permaneceriam desconhecidas pelo uso de apenas medidas comportamentais (Duchowski, 2002; Fiedler, Glöckner, 2012). Reflexo disso é o fato de diversos estudos utilizarem rastreamento do olhar para investigar mecanismos envolvidos em escolhas (Armel et al., 2008; Fiedler e Glöckner, 2012; Kuo et al., 2009; Payne, Venkatraman, 2011; Russo, Rosen, 1975; Satterthwaite et al., 2007; Schulte-Mecklenbeck et al., 2011; Wunderlicha et al., 2010).
Movimentos oculares têm também sido investigados em um crescente número de estudos aplicados de tomada de decisão, em cenários práticos de escolhas. Estes trabalhos incluem decisões de compra: escolhas de produtos em ambiente natural (loja), busca visual em prateleiras, memória para anúncios, e percepção de marca e de embalagens (Chandon, 2002; Fiedland e Glöckner, 2012; Fletcher et al. 1995; Janiszewski 1998; Rayner et al., 2001; Russo, Leclerc, 1994; Wedel, Pieters, 2008; Zhang et al., 2009). Apesar de tradicionalmente focarem no impacto desses estímulos na tomada de decisão sob aspectos mais práticos (como dar suporte ao desenvolvimento de campanhas, embalagens e planejamento de negócio em geral), estes estudos trazem a vantagem de investigarem decisões em situações aplicadas, com grande validade ecológica (pessoas de quase todos os níveis sociais, raças, gêneros, se vêem em mercados, vendas, camelôs ou outras lojas realizando decisões financeiras e observando estímulos de venda e construção de marca quase todos os dias de suas vidas; ou seja, a tarefa de compra é para elas muito familiar). Reflexo disso ou não, nota-se uma tendência a divisão menos rígida na literatura de tomada de decisão entre estudos voltados a oferecer insumos ao mercado e aqueles debruçados ao entendimento dos sistemas neurais subjacentes à decisão de compra. Afinal, o que os diferencia, com frequência, é o enfoque de suas conclusões, não o quadro teórico, métodos e motivações envolvidos (muitas vezes, nem mesmo os pesquisadores) – e geralmente esta essa motivação é a construção de um quadro teórico cada vez mais completo sobre a tomada de decisão em humanos. Assim, o uso de procedimentos de pesquisa envolvendo tarefas de compra tem se tornado cada vez mais comum, em especial em estudos de neuroeconomia (por exemplo: Grosenick et al., 2008; Knutson et al., 2007; Levy et al., 2011; Plassmann et al., 2007; Venkatraman et al., 2012).
A tradicional decisão de compra envolve escolha entre dois ou mais produtos que variam quanto a seus preços e características. E, de maneira geral, a escolha pode ser primordialmente dirigida por preço ou pelas qualidades do produto. O que determina qual dessas duas variáveis terá mais peso na decisão depende de dois fatores interativos: preferências intrínsecas do consumidor e fatores contextuais extrínsecos moldados pela construção do cenário de escolha (ver Bettman et al., 1998 para discussão a respeito de preferências construídas). Preferências intrínsecas tendem a ser mais fortes para bens duráveis e para itens relacionados à expressão de identidade pessoal (Solomon, 1999). Por exemplo, uma pessoa pode se preocupar mais com preço quando escolhendo entre opções de amaciante, mas se interessar mais por qualidade do produto quando está comprando um relógio, perfume ou peça de roupa. Por outro lado, fatores contextuais extrínsecos são mais poderosos quando o indivíduo não possui fortes preferências entre os produtos e marcas em jogo (Milosavljevic et al., 2011).
Portanto, na decisão de compra, existe um espectro com as variáveis preço e características do produto em pontos opostos. Considerando uma mesma categoria de produto, algumas pessoas tendem a ver o preço a ser pago como variável mais importante na decisão. Outras pendem para o outro lado do espectro, e são mais propensas a decidir baseando-se nas características do produto (todas elas avaliam ambas as variáveis em suas escolhas, mas há um viés derivado dessas preferências pessoais). Quando este viés é para preço, diz-se que o indivíduo é mormente sensível a preço; quando o é para características do produto, diz-se que ele é principalmente sensível a qualidades do produto. Pessoas diferem quanto à sensibilidade a preço ou características dos produtos, e essas diferenças modulam a aquisição de informações na tomada de decisão (Malhotra et al., 2008) (a consideração da categoria de produtos é um fator determinante aqui; basta pensar nas diferenças entre o processo de decisão de um artigo eletroeletrônico e uma pasta de dente).
Enquanto fatores extrínsecos parecem ser transitórios, assim como o são os cenários de escolha, preferências intrínsecas tendem a ser mais estáveis (apesar de mutáveis). Por exemplo, quando a qualidade das opções de escolha é muito similar, preço tende a ser o direcionador da decisão, mesmo sem mudar as preferências individuais de quem compra. Suponha, por exemplo, que uma pessoa está realizando uma compra em uma loja na Internet. A principal preocupação dela é com as qualidades estéticas do produto, e esta é a variável que primeiramente observa. Ela nota, porém, que os produtos são muito similares, e não consegue definir uma preferência por um deles. Então, olha mais cuidadosamente para os preços, e, após compará-los, finalmente decide pelo produto mais barato. Neste exemplo, apesar de o indivíduo ser mais sensível às características do produto, os preços tenderam a influenciar, e até mesmo guiar, a escolha. Por outro lado, indivíduos sensíveis a preço poderiam também acabar escolhendo o produto mais barato, mas seguindo uma abordagem totalmente distinta – e um estudo que propusesse um cenário de escolha em que preço ou estética fossem praticamente indistinguíveis falharia em identificar essas abordagens.
Já que atenção visual e movimentos oculares andam juntos (Russo, 1978) e movimentos oculares refletem atividades cognitivas de alta ordem (Rizzolatti et al., 1994), o estudo da tomada de decisão pode se beneficiar substancialmente do uso de técnicas de rastreamento do olhar.
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Entre as diferentes estratégias de promoção empregadas para influenciar decisões de compra está a de utilizar preços regulares de produtos em promoção como referência para a compra (conhecido como reference pricing). Neste caso, a loja informa o desconto de um produto com seu preço original bastante à mostra, e este funciona como um ponto de referência de preço – fazendo com que o ganho percebido seja maior (Monroe e Petroshius, 1981; Tellis, 1986), já que opções de escolhas parecem mais atrativas quando estão próximas a uma alternativa mais cara do que quando são apresentadas isoladamente (Kahneman, Tversky, 1979). O preço inicial funciona, então, como uma “âncora”, na qual a análise da vantagem proporcionada pela promoção é baseada (Kahneman, Knetsch, 1993).
Há também promoções de risco, em que o indivíduo é informado de que poderá ganhar um desconto em relação ao preço original, mas o valor do desconto só é revelado na hora da compra (Kamleitner et al., 2011). Apesar de experimentos sugerirem que pessoas são avessas a este tipo de desconto, por justamente conter risco (Iyengar et al., 2008), existem trabalhos sugerindo que, em compras com baixo envolvimento, indivíduos não mostrariam aversão por este tipo de desconto (Goldsmith, Amir, 2010; Mazar, Ariely, 2008). Entretanto, este dado não é congruente com estudos de tomada de decisão, que indicam aversão a risco financeiro em humanos adultos, mesmo quando a quantia a ser perdida não é muito alta (Bechara et al., 2005). Acredita-se que, desde que estejam engajadas na tarefa, pessoas expressem preferências por alternativas seguras em oposição a arriscadas, mesmo que deixem de ganhar um pouco mais por isso.
Portanto, efeitos de promoções na tomada de decisão não estão totalmente claros e podem variar dependendo de diferenças individuais, da categoria do produto, do modelo de negócio do comerciante, entre outros fatores. E a atenção visual pode ser de especial relevância na investigação desses fatores. Estudos com decisão de compra utilizando monitoramento de movimentos oculares sugerem, por exemplo, que pessoas tendem a escolher itens que elas fixaram mais durante uma tarefa (Reutskaja, 2011), que preferências por marcas podem ser previstas através de padrões de movimentos oculares (Russo, Leclerc, 1994), e que a organização dos produtos no ponto-de-venda influencia a escolha de marca (Chandon, 2002). O mais importante é que tanto características do consumidor (fatores “de cima pra baixo”) quanto do estímulo (fatores “de baixo pra cima”) podem influenciar atenção, percepção e escolha (Russo, Leclerc, 1994; Wedel, Pieters, 2008). O rastreamento do olhar é, portanto, ferramenta valiosa para fornecer informações a respeito da decisão, especialmente aquelas envolvendo comparações entre as diferentes opções de escolha.
Em resumo, atenção visual e movimentos oculares são bons indicadores de como variáveis são exploradas e comparadas, em tempo real. Decisões de compra são um tipo de decisão financeira em que estes fenômenos podem ser observados, por constituírem tarefas comuns para a maior parte das pessoas. A influência de características individuais na decisão pode ser observada através do estudo dos movimentos oculares, em especial sensibilidade a preço ou produto. Tanto em um caso quanto em outro, a tomada de decisão se dá a partir da inferência de valor para cada opção de escolha. Esta inferência é modulada por circuitos envolvendo regiões corticais e subcorticais que modulam a estimativa de resultados da escolha no sentido de fornecerem consequências menos aversivas ao organismo. Tanto a acepção do que é aversivo quanto a tolerância a estímulos que geram afeto negativo dependem também de traços individuais, resultantes de diversos fatores, entre eles experiências de vida e cultura. Em sentido mais amplo, dependem de como organismos percebem e lidam com dor - tema discutido no próximo post.
[1] Ou frontal eye fields, região do córtex frontal dorsal envolvida no controle de atenção visual e movimentos oculares. A combinação da atividade relaciona a sacadas e ao controle atencional no CVF contribuiu para o desenvolvimento da teoria pré-motora da atenção, de Rizzolatti e colaboradores, propondo que alterações de atenção e preparação de ações direcionadas ao objetivo estão intimamente relacionadas pois compartilham mecanismos sensório-motores (Rizzolatti et al., 1994; Purves et al., 2013). Especificamente, a circuitaria relacionada a sacadas mediam atenção visual espacial encoberta. [2] Existem três pares de músculos extra-oculares responsáveis pelo movimento do globo ocular: o oblíquo superior e inferior, o reto superior e inferior, e o reto medial e lateral (Purves et a., 2013). [3] Novas abordagens quanto ao processamento visual incluem projeções diretas entre o núcleo pulvinar do tálamo, alvo de neurônios do colículo superior, e áreas corticais como a ínsula, cingulado e córtex parietal. De especial interesse é a revisão de Pessoa e Adolphs (2010), que abordam as conexões envolvidas na percepção visual, com enfoque no papel da amígdala na avaliação da significância de estímulos visuais para o organismo. [4] Esses efeitos negativos na tomada de decisão envolvendo preços em promoção levaram ao desenvolvimento de modelos de negócio alternativos, como o de “preço baixo todos os dias”, popularizado pela gigante Wal-Mart (Madan, Suri, 2001). [5] Exemplo de desconto de risco real (da livraria norte-americana Barnes&Noble) encontra-se no item Apêndices.
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