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Cognição, emoção e cognição social na tomada de decisão

É relativamente consensual que cognição se refere a processos como memória, atenção, linguagem, resolução de problemas e planejamento (Pessoa, 2008)[1]. Por outro lado, não há um consenso quanto à definição de emoção. Algumas abordagens focam em emoções básicas (como medo e raiva), outras em mais “complexas” (como orgulho e inveja), outras ainda se baseiam estritamente em conceitos de motivação, como considerar emoções estados resultantes de punições e recompensas. Exemplo deste último caso é a ideia de que emoções são estados gerados por reforços, que surgiram como forma eficiente de influenciar comportamento (Mitchell, 2011). Há abordagens que definem emoção pelas alterações que ela traria ao indivíduo, considerando-a como estados complexos caracterizados por variações no sistema nervoso autonômico acompanhadas por expressões fisiológicas, tendências específicas de ação e experiências subjetivas de certa valência[2] (Pham, 2007). Ou ainda, emoções representam estados psicológicos e fisiológicos complexos que indicam/classificam ocorrências de valor (Dolan, 2002). Assim, nota-se que definições de emoção são em geral caracteristicamente vagas (Seymour, Dolan, 2008). Por outro lado, essa clara dificuldade de conceitualização não prejudica seu estudo. Como diz Christof Koch (2007), muitas vezes definições operacionais são feitas de forma ad hoc, por vezes desnecessárias para se entender um fenômeno.


Por séculos a humanidade acostumou-se a opor emoção a o que se usou chamar de razão (muitas vezes utilizada como sinônimo de cognição), sendo a primeira deletéria para o comportamento “racional”. Assim, pessoas seriam racionais se suas crenças, escolhas e ações respeitassem certos padrões da lógica (Pham, 2007). Na modulação de comportamentos voluntários, decisões incluiriam avaliações complexas, mais adequadas quanto maior o controle de estruturas corticais de alta ordem sobre processos subcorticais de baixa ordem. Ou seja, quanto mais a razão se sobrepusesse a emoção. Com essa ideia começaram os estudos de tomada de decisão econômica em humanos (Glimcher et al., 2010). Estudos que surgiram na economia, assumindo que indivíduos decidem de tal forma a maximizar a utilidade esperada dos resultados de escolhas: o produto do benefício (utilidade) de cada resultado possível por sua probabilidade de ocorrência (von Neumann, Morgenstern, 1944). Assim, o indivíduo sempre optaria pelo resultado ótimo, o maior ganho monetário entre os possíveis resultados das escolhas.


Essa visão clássica começou a ser questionada quando métodos experimentais evidenciaram que pessoas estão longe de tomar decisões pesando a utilidade de resultados e probabilidades objetivas (Coricelli et al., 2007; Kahneman, Tversky[3], 1982). Como discutido, ao fim da década de 1980, estudos de Kahneman e Tversky propuseram, por exemplo, que probabilidades de escolhas deveriam ser tratadas de maneira não linear, mostrando a importância de heurísticas[4] no estudo de tomada de decisão. Exemplo disso é o efeito de apresentação (framing effect), em que um mesmo resultado é avaliado como mais ou menos vantajoso dependendo da forma como é apresentado, dependendo da referência cognitiva do indivíduo no momento da escolha (pessoas optam mais frequentemente por uma política sanitária que salvaria 200 de 600 pessoas, em detrimento de uma política que mataria 400 de 600, embora a utilidade seja a mesma em ambos os cenários – Kahneman, Tversky, 2000).


Evidências de que a tomada de decisão em humanos não se baseia em maximização de ganhos monetários vieram também de estudos de Güth, Schimittberger e Schwarze (1982), os primeiros a usar o jogo do ultimato (Thaler, 1988). Jogado por duas pessoas, uma delas recebe a tutela de uma determinada quantia em dinheiro (jogador) e deve oferecer uma parte dessa quantia para a outra pessoa (beneficiário), que pode aceitar ou negar a oferta. Se ela a aceita, ganha a quantia ofertada e o jogador fica com o restante. Se ela a rejeita, ambos perdem tudo. Por menor que seja a oferta, ela será sempre mais vantajosa do que nada, resultado obtido pelo beneficiário quando ele a rejeita. Porém, a maior parte das ofertas abaixo de 15 a 25% do montante total é rejeitada (Fehr, Gachter, 2002) – ao que se chamou de “punição altruística” (Quervain et al., 2004). É como se a perda individual a curto prazo parecesse menor do que o ganho a longo prazo obtido pelo grupo, fruto do aprendizado pela punição (Frith, Singer, 2008). Porém, contradiz a expectativa utilitarista de que o indivíduo sempre optará por seu ganho máximo.


Apesar de esses estudos abarcarem apenas um extrato dos contextos de decisão, eles foram importantes por sugerirem uma suposta falha do sistema de escolha “racional” proposto por teorias econômicas. Visão mais atual é que não se trata de uma falha, mas de um resultado inerente ao funcionamento do sistema nervoso humano. Isso porque, como discutido adiante, o comportamento é fruto de uma complexa interação de processos neurais subjacentes a cognição e emoção, onde cálculos de utilidade esperada não passam de confabulação posterior à decisão (Livet, 2010; Quartz, 2010) – de forma geral, processos automáticos podem guiar inclusive decisões complexas (Tusche et al., 2010).

Apesar disso, na produção científica atual, a ideia dualista de razão e emoção por vezes escapa entre uma e outra observação, mesmo em trabalhos que aparentemente não apregoam tal visão (como em Frith, Singer, 2008; Hinson et al., 2006; Shiv et al., 2005). Neles, a noção geral é que ‘há situações em que uma resposta emocional natural deve ser inibida, permitindo que uma decisão deliberada e potencialmente mais sábia seja feita’ (Hinson et al., 2006). Essa ideia de certa forma também se perpetua em modelos que propõem um sistema controlado (envolvendo córtex pré-frontal lateral, medial, parietal medial entre outros), e outro automático (envolvendo amígdala, córtex pré-frontal medial, núcleos da base, entre outros), o primeiro caracterizado como mais “emocional” e o segundo mais “racional” Lieberman (2007).


Entretanto, é clara a tendência atual em psicologia, neurociência, economia e filosofia em tratar cognição e emoção como fenômenos intrinsecamente conectados (Kirman et al., 2010). Acreditar no modelo tradicional de dois sistemas, um racional e frio, outro irracional e caloroso, começa a se mostrar inadequado à luz de dados neurobiológicos e psicobiológicos atuais, que favorecem a existência de múltiplos sistemas de decisão (Seymour, Dolan, 2008). Por isso, a visão que ganhou força há pelo menos quatro décadas com Kahneman e Tversky predomina nos estudos de tomada de decisão atuais. Eles convergem em defender que emoções geram tendências de avaliação, influenciando processos cognitivos e tomada de decisão, ou seja, modulando cognição (Han et al., 2007; Litvak et al., 2010; Pfister, Böhm, 2008; Werner et al., 2009). Emoções não interferem em decisões racionais, elas as implementam, são uma forma de avaliar resultados de ações passadas e ajustá-los a escolhas futuras (Coricelli, Rustichini, 2010; Kirman et al., 2010) – nas palavras de Kirman e colaboradores, elas permitem que ‘seres humanos respondam melhor aos desafios de sua existência’ (Kirman et al., 2010). Em uma visão atualizada da teoria darwinista, elas seriam estados moldados pela seleção natural, ajustando vários aspectos do organismo de maneira a oferecer vantagem seletiva frente aos desafios adaptativos característicos de situações particulares (Nesse, 1998). No comportamento, emoções são importantes não apenas para fornecer heurísticas simples e necessárias para o indivíduo encontrar soluções rápidas para problemas de decisão, mas também contribuem para as estruturas complexas de computação de custo e benefício entre as diferentes variáveis de uma situação a ser avaliada (não a toa, informações emocionais são mais facilmente lembradas do que informações neutras [Kensinger, Corkin, 2004]).


Portanto, emoções modulam tomada de decisão, implementando o que se chama de “racionalidade”, termo usado para descrever um processo desconhecido em sua totalidade, envolvendo conexões entre estruturas subcorticais (como a área tegmentar ventral, núcleos da base, amígdala, hipotálamo) e corticais (como córtex pré-frontal ventro-medial [CPFVm] e dorso-lateral [CPFDl]) moduladas por um substrato afetivo. A escolha é feita, em última instância, através da simulação dos estados emocionais esperados subjacentes aos resultados possíveis decorrentes da escolha (ou até mesmo da simulação do próprio processo de escolha, que em si pode gerar aversão) – influenciam também na escolha emoções “acidentais” (Litvak et al., 2010)[5]. Não há, portanto, razão para se opor cognição e emoção, nem especular se esta última atrapalharia o processo decisional. Ao invés disso, ela direciona a cognição (influenciando o que “entra” voluntariamente no sistema) e, através de circuitos modulados por variáveis atencionais, mnemônicas[6], do ambiente e da natureza da escolha, determina a ação resultante.


Emoções têm papel central em tomada de decisão com risco (Shiv et al., 2005), e anormalidades na resposta emocional pode ter um impacto deletério na escolha (Damásio, 1994). Estudos de pacientes com lesões no CPFVm evidenciam o prejuízo derivado dessas anormalidades. Muito dessas descobertas se deve aos estudos de Bechara e Damásio, que utilizaram um jogo de apostas batizado por eles por Iowa gambling task, com voluntários normais e pacientes com lesão no CPFVm (Bechara, Damasio, 2005). Neste jogo, maços de baralho que oferecem maiores recompensas em dinheiro são acompanhados de punições, ou perdas, também muito altas (chamados de baralhos de alto risco), enquanto baralhos de recompensas menores apresentam punições bem menores (baralhos de baixo risco), sendo estes mais vantajosos ao longo do jogo. Pacientes com lesão apresentavam desempenho bastante pobre na tarefa, pois optavam majoritariamente pelos baralhos de alto risco, perdendo quantias cada vez maiores – o que não ocorria com voluntários saudáveis. Além disso, ao contrário destes, pacientes não apresentavam alterações de condutância da pele (resposta autonômica ao alerta emocional) imediatamente antes da decisão (mas sim após a escolha)[7]. Ou seja, havia um comprometimento na antecipação dos resultados de suas escolhas. A partir desses estudos, desenvolveram uma teoria conhecida como hipótese dos marcadores somáticos. Segundo ela, tomada de decisão é influenciada por sinais marcadores originários de processos neurovegetativos, incluindo aqueles que se expressam em emoções e sentimentos. A amígdala seria uma estrutura relacionada ao surgimento desses estados corporais/emocionais em resposta a uma punição ou recompensa advinda de um comportamento. No futuro, o estado somático provocado por um comportamento passado seria reproduzido pelo CPFVm, guiando tomada de decisão (Bechara et al., 2000; Gupta et al., 2011).


Ou seja, emoções são constituídas de alterações no corpo, e esses estados corporais são gerados durante o processo de tomada de decisão, “marcando” certas opções como vantajosas e outras como desvantajosas. Apesar de críticas recebidas depois (Hinson et al., 2002; Maia e McClelland, 2004; Quartz, 2010)[8], essa teoria, que ganhava forma no fim da década de 90, foi importante para o crescimento de estudos que abordam a tomada de decisão não apenas sob o ponto de vista da utilidade esperada, reservando a aspectos afetivos importante papel no processo de escolha. Rejeitando a oposição emoção versus cognição (como sinônimo de racionalidade), propõe um modelo mais integrativo entre as duas, visão que vem sendo defendida por um número crescente de pesquisadores (Bechara, 2003; Coricelli et al., 2007; Gutnik et al., 2006; Lerner, Keltner, 2000; Livet, 2010; Naqvi et al., 2006; Pfister, Böhm, 2008; Quartz, 2010; Seymur, Dolan, 2008), para o benefício do entendimento da tomada de decisão em humanos. Graças também a ela, economistas que estudavam tomada de decisão começaram a olhar para o que se chamava de “fatores viscerais” (emoções negativas, fome, sede, dor) como dominantes na modulação do comportamento (Loewenstein, 2000). Pessoas decidiriam tendo esses fatores como base, sendo a deliberação “racional” o resultado de uma interpretação posterior dos resultados de seus comportamentos. Assim, o surgimento de modelos de julgamento e tomada de decisão baseados em processos afetivos que começaram a surgir nos anos 1990 foram fortemente influenciados por evidências neurobiológicas (Quartz, 2010).


Emoções são também essenciais para interações sociais. A habilidade de reconhecer e interpretar centenas de expressões faciais diferentes torna os primatas humanos capazes de antecipar as intenções do outro, importante guia de comportamento (Kirman et al., 2010). Identificar no outro um possível parceiro (não só sexual, mas também com quem dividir tarefas de captura de comida e defesa do grupo) ou possível ameaça foi e é muito importante para a sobrevivência de grupos inteiros. Em distúrbios como a psicopatia, por exemplo, é difícil prever o comportamento do outro baseando-se em seus gestos e expressões faciais, o que explica em parte o medo que envolve o convívio com esses indivíduos. Como abordado adiante, um dos papéis fundamentais da amígdala no processamento visual é coordenar a função de redes corticais durante a avaliação de significância biológica de estímulos visuais afetivos (Pessoa, Adolphs, 2010). Para humanos, assim como outras espécies animais, a sobrevivência depende de interações sociais eficazes. Habilidades sociais facilitam o acesso ao próprio sustento, proteção e parceiros (Amodio, Frith, 2006; ver Cohen, 2004 para revisão).


Assim, decisões em interações sociais abrigam um nível de complexidade que as torna únicas entre os problemas naturais de tomada de decisão, já que probabilidades de resultados dependem de estados internos do outro indivíduo, não acessíveis à observação direta, que incorporam suas intenções (Seymur, Dolan, 2008). Já que muitas das interações são repetidas (pessoas tendem a conviver com as mesmas pessoas por longos períodos) o aprendizado ótimo requer que os indivíduos gerem um modelo de comportamento do outro indivíduo, e o modelo deste em relação àquele. Sob o ponto de vista neural, é difícil de se distinguir o que o indivíduo pensa sobre si mesmo do que pensa que os outros pensam sobre ele (Ochsner, 2007). Isso seria uma evidência da importância de aspectos sociais em diversos domínios da vida de um ser humano, em especial no comportamento. Por isso, no estudo de julgamentos e escolhas, a influência de aspectos sociais não deve ser ignorada. Isso se reflete no fato de a neuroeconomia[9] ser considerada parte do campo da neurociência cognitiva social, em especial em estudos que combinam trocas monetárias e dinâmicas sociais (Lieberman, 2007; Ochsner, 2007). Neles, jogos (como o jogo do ultimato e o jogo do ditador) são usados a fim de se examinar respostas neurais associadas a cooperação, competição, justiça, confiança.


Considerando a tomada de decisão na vida real, com frequência o contexto de decisão envolve um ambiente social, influenciando escolhas. No jogo do ditador, por exemplo, onde um jogador deve escolher quanto oferecer, de uma certa quantia, a outro jogador (em que não cabe ao receptor a possibilidade de negar a oferta), o fato de a decisão ser ou não anônima influencia a quantia ofertada (quantias menores são oferecidas quando o jogador é anônimo). Ou seja, a generosidade no jogo depende, em parte, de como o jogador quer ser visto pelas pessoas que podem ter acesso ao seu comportamento (Frith, Singer, 2008). Da mesma forma, transgressões sociais só são embaraçosas e geram alteração de comportamento (como apaziguamento ou submissão) se são testemunhadas, se o indivíduo acredita que “alguém está vendo” (Finger et al., 2006) – efeito obtido por Finger e seu grupo com imagens com e sem pessoas testemunhando as situações, mas também por Haley e Fesseler apenas com a exposição à imagem de dois olhos voltados para o participante (Haley, Fesseler, 2005).


Portanto, para humanos e outros primatas, a sociabilidade tem um valor adaptativo (Silk et al., 2003). Sabe-se, por exemplo, que ver uma expressão facial de desgosto/nojo leva à ativação das mesmas regiões ativadas quando o indivíduo é exposto a um cheiro nauseabundo (Wicker et al., 2003). Além disso, parte das regiões envolvidas na dor, predominantemente a ínsula anterior bilateral e o córtex cingulado anterior, são ativados quando se aplica estímulo doloroso no indivíduo e também quando ele vê um sinal indicando que seu(sua) parceiro(a) está recebendo um estímulo doloroso (Singer et al., 2004) – outros diversos experimentos variando a relação afetiva entre os participantes e a forma como o outro experimenta a dor foram realizados, encontrando resultados semelhantes (Ochsner et al., 2008; de Vignemont, Singer, 2006). Há uma ativação visceromotora no processamento de emoções empáticas, envolvendo outro indivíduo ou grupo social (Critchley, 2005). Curioso que esse fenômeno depende, quando as pessoas não se conhecem, da interação entre os sujeitos. Em um estudo de Singer e seu grupo, homens e mulheres jogaram o jogo do ultimato virtualmente enquanto dentro de um magneto de fMRI, e depois observaram os jogadores com quem jogaram (atores) recebendo um estímulo doloroso. Indivíduos de ambos os sexos exibiram ativação em áreas relacionadas a dor (córtex insular e cingulado anterior) em relação a jogadores justos. Entretanto, essa ativação se mostrou muito reduzida quando homens observavam jogadores injustos recebendo um estímulo doloroso. Paralelamente, observou-se ativação de regiões relacionadas a recompensa, entre elas o estriado ventral – o que os autores dizem corresponder a um desejo por vingança (Singer et al., 2009). Assim, respostas de empatia podem ser determinadas pela avaliação do comportamento social do outro.

Portanto, quando humanos interagem com outras pessoas, tendem a desenvolver empatia por aqueles que cooperam e desejo de punição pelos que traem (Frith, Singer, 2008). Nesse sentido, manter um preconceito talvez seja cooperar com o grupo. Se o membro de um grupo racista, por exemplo, se envolve com pessoas do grupo discriminado, ele pode ser visto, pelos membros de seu próprio grupo, como um traidor, alguém que não está cooperando para manter o “equilíbrio” apreciado. Por isso, é importante que políticas públicas, expressas em leis e campanhas, garantam direitos aos cidadãos de um país ou Estado (por exemplo, tornar crime a discriminação racial, permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, criminalizar discriminações de gênero), atuando-se sob todo grupo social, oferecendo respaldo tanto aos grupos discriminados quantos aos componentes de grupos discriminadores que tendam a mudar seu comportamento.


No estudo de decisões, sejam elas sociais ou financeiras, não há, portanto, sistemas realmente separados para emoção e cognição, pois comportamentos complexos emergem de interações dinâmicas entre circuitos neurais (Pessoa, 2008). Nas palavras de Pessoa, é “produto de uma orquestra tocada por diversas áreas cerebrais”: funções agregadas dessas áreas levam ao que se chama de emoção, cognição, cognição social. O córtex pré-frontal lateral é um exemplo de região em que emoção e cognição interagem. Pesquisas com inibição de comportamento (dimensão importante de cognição), investigando a interação entre processamento emocional de palavras e inibição de resposta, sugerem que a inibição de respostas seguida de palavras negativas envolvam o CPFDl, mesmo não sendo essa região recrutada por valência negativa ou tarefas de inibição por si mesmas, revelando uma interação explícita entre as duas – discutidas com mais detalhe adiante.


Dada a importância da valência afetiva na adequação do comportamento, faz sentido que áreas neurais envolvidas na modulação do que o indivíduo faz compartilhem substratos neurais com aquelas envolvidas na modulação do que ele sente (Mitchell, 2011). Um exemplo é a observação de que regiões dorsais relacionadas ao controle da atenção poderiam integrar atividades pertinentes a decisão e regulação da emoção, modulando informações de motivação e afeto no comportamento. Portanto, uma provável razão para a convergência de déficits em tomada de decisão e “desregulamento” emocional (presente em ampla gama de desordens psiquiátricas, como psicopatia, depressão maior e bipolaridade – Dickstein et al., 2009) é que os dois processos envolvam computações similares em regiões neurais amplamente sobrepostas. Esse é o tema central do próximo item, em que são abordados processos neurofisiológicos inerentes a cognição e emoção na tomada de decisão.


[1] Quando esses fenômenos ocorrem em interações sociais (como perceber e prever o outro indivíduo), diz-se que trata-se de cognição social (Amodio, Frith, 2006). O emprego do termo se justifica frente à importância adaptativa do comportamento social para a espécie humana, discutida nesse capítulo. [2] Valência é a natureza apetitiva ou aversiva de um estímulo (Rangel et al., 2008), capaz de mudar dramaticamente preferências e escolhas (dependendo da valência emocional na qual as opções de escolha são descritas – Kahneman, Tversky, 2000). [3] Kahneman tem o mérito inegável de, junto com Tversky questionar a visão clássica de utilidade esperada. Entretanto, cabe também a eles o reforço de um dos modelos conceituais mais equivocados e difundidos na neurociência da tomada de decisão: o modelo de sistemas duplos (segundo o qual decisões resultam de interações competitivas entre dois sistemas, um lento [razão] e um rápido [emoção]). Os problemas de adequação deste modelo são discutidos na discussão final da tese que gerou este texto. [4] Uma heurística é geralmente uma regra. Existem diversos modelos de heurísticas, mas todos especificam: uma regra de processo; a capacidade de esta regra ser simples; e os tipos de problemas que pode resolver, isto é, as características do ambiente nas quais ela é útil (Gigerenzer, 2004) [5] Litvak e colaboradores sugerem que indivíduos em um estado de raiva e irritação exibem comportamento menos avesso a risco em jogos financeiros e propõe que a raiva leva a um comportamento em direção oposta a ela, de otimismo. Entretanto, talvez isso não se deva a um otimismo causado pela raiva, mas ao fato de que, quando em uma emoção negativa como a raiva, indivíduos estão em um arcabouço de perdas, por isso sendo menos avessos a risco (como sugerem Kahneman, Tversky, 1979). [6] Conhecimento (ou desconhecimento) dos resultados possíveis são determinantes, pois experiências anteriores influenciam a percepção de risco, predizendo características a que se nomeiam “traços de personalidade”. [7] Pacientes com lesão no CPFVm exibiam resposta de condutância da pele intactas no recebimento de recompensas e punições, sugerindo que esta região não está envolvida no registro do impacto emocional de recompensas e punições depois que são obtidas, mas na antecipação do impacto emocional de punições e recompensas futuras (Naqvi et al., 2006). [8] A principal crítica aos marcadores somáticos é que os marcadores só são observados quando o indivíduo (saudável ou lesionado) tem conhecimento explícito das contingências em jogo, sendo possível que os marcadores resultem desse conhecimento explícito dos resultados das escolhas (Hinson et al. 2002; Maia, McClelland, 2004). [9] Da interação das áreas de comportamento econômico, finanças, marketing, neurociência e psicologia surgiu a neuroeconomia (Glimcher et al., 2009; Livet, 2010; Seymour, Dolan, 2008). Recentemente, ferramentas de neurociência (imageamento, estudos de lesões, registros em células únicas em primatas não-humanos) e a evidência de estados emocionais e sociais na tomada de decisão econômica estão abrindo novas perspectivas neste campo de pesquisa (Coricelli et al., 2007). Inclusive, é possível que tenha o potencial de contribuir para melhor estudo da interação de fatores sociais, psicológicos e neurais subjacentes a distúrbios psiquiátricos. Para interessante revisão sobre implicações de achados de neuroeconomia neste sentido, ver Hasler, (2012).

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