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Neurofisiologia da tomada de decisão, emoção e cognição

Se um pesquisador desenhar em uma lousa as regiões corticais e subcorticais que ao longo da leitura de trabalhos científicos da última década, com diversas técnicas (eletrofisiológicas, de imageamento e farmacológicas), foram relacionadas a tomada de decisão, o resultado será um desenho muito parecido com as pinturas de Jackson Pollock[1]. Muitas flechas, linhas e ligações, estruturas mais amplas outras mais restritas, e, em especial, muitas funções sobrepostas. Esse é um bom exercício para a visualização de que diversas estruturas e neutrotransmissores estão envolvidos no processo decisional. Frequentemente, diferentes estudos destacam ativações específicas relacionadas talvez mais ao método de que se utilizaram do que ao fenômeno em si, evidenciando a limitação da tentativa de se dividir as diferentes regiões de acordo com uma função restrita. O processo de direcionamento de decisões futuras baseado em punições e recompensas, por exemplo, é por alguns autores considerado como resultante principalmente da ação do CPFVm (Bechara, 2004), enquanto outros reservam este papel para a amígdala (Coricelli et al., 2005). Enquanto alguns afirmam que o processo de inibição de resposta e auto-controle tem como maestro o córtex pré-frontal ventro-lateral (CPFVl) (Mitchell, 2011), outros defendem ser o CPFDl responsável por essa função (Hare et al., 2009). Este último caso fica claro em estudos com uma proposta mais integrativa, sugerindo que o processamento de informações sociais aversivas ativam tanto regiões ventrais quanto dorsais do córtex pré-frontal, facilitando a alteração do comportamento em pessoas saudáveis (Finger et al., 2006).


Funções executivas, como a tomada de decisão, não parecem estar localizadas em altos “centros cognitivos”, mas nos mesmos circuitos sensório-motores responsáveis por planejar e executar ações (Cisek, Kalaska, 2010). Pode, portanto, não fazer sentido dividir regiões de acordo com funções específicas quando se considera processamentos complexos. Exemplo disso é o córtex parietal posterior, envolvido em processos perceptivos, cognitivos e de tomada de decisão (Platt, Glimcher, 1999). Outro exemplo é que aumentar a significância afetiva de um estímulo (aparentemente relacionada à atividade da amígdala) têm efeitos similares aos obtidos com o aumento da atenção (considerado um fenômeno cognitivo). Não se deveria, por exemplo, pesquisar apenas a influência da amígdala em decisões, mas sim as conexões entre córtex, estruturas subcorticais e amígdala nessas condições (Pessoa, Adolphs, 2010).


Isso posto, é possível delinear funções que estariam mais diretamente associadas à atividade de determinadas estruturas cerebrais. Na tomada de decisão, a amígdala, por exemplo, está envolvida no reconhecimento de recompensas (Gutnik et al., 2006; Rademacher et al., 2010). Além disso, ela é a estrutura mais comumente associada a emoção (Morris et al., 1996), principalmente por seu papel no condicionamento pavloviano clássico (Seymur, Dolan, 2008). Entretanto, estudos recentes em humanos e animais sugerem que a amígdala também desempenha importante papel na modulação de escolhas[2]. Ela teria um desempenho essencialmente modulatório em um grande número de circuitos neurais, promovendo o monitoramento, atualização e integração de sinais sensoriais (Pessoa, 2008). Alocando fontes de processamento a estímulos, a amígdala modularia componentes anatômicos que são requeridos no sentido de priorizar características particulares de informações numa dada situação (Pessoa, Adolphs, 2010). Assim como pacientes com lesão no CPFVm, pacientes com lesão na amígdala apresentam desempenho pobre em tarefas envolvendo risco e incerteza. A circuitaria envolvendo o CPFVm e a amígdala pode ser crítica na integração de informações do resultado de um estímulo com ações elaboradas, orientadas a um objetivo.


Além disso, a amígdala e o CPFVm estão envolvidos no uso de experiências prévias negativas para guiar ações futuras – enquanto o CPFVm parece ser importante na representação do valor motivacional negativo (Rolls et al., 2008), a amígdala parece estar mais envolvida no direcionamento de decisões futuras (por exemplo, atividade na amígdala prevê a decisão quando o indivíduo opta por alternativas em que o resultado da escolha é mais conhecido – Seymur, Dolan, 2008). A amígdala também apresenta atividade relacionada a informações de motivação promovidas por expressões de faces humanas, sendo importante mediador de influências emocionais na percepção – o que se nota, por exemplo, pelo fato de respostas da amígdala a faces de medo serem independentes do foco de atenção (Vuilleumier et al., 2002), e pela existência de um circuito subcortical retino-colículo-pulvinar específico no processamento de estímulos emocionais não-conscientemente percebidos, permitindo resposta adaptativa rápida ao perigo (Dolan, 2002).


Por isso, pode-se dizer que a amígdala desempenha papel crucial no comportamento social. Experimentos mostram que a presença de outras pessoas observando um comportamento foi associada com um aumento na atividade da amígdala tanto em condições de transgressões morais quanto transgressões sociais (Finger et al., 2006). Como abordado, em humanos, lesões nessa região pode levar a déficits seletivos no reconhecimento de expressões faciais de medo e no condicionamento de medo. Morris e colaboradores realizaram um experimento com tomografia por emissão de pósitrons (PET) e também observaram que, na amígdala, há uma resposta diferenciada para a percepção de faces de medo e faces felizes: a resposta neuronal na amígdala foi significativamente maior na observação de faces com medo do que na observação de faces felizes (Morris et al., 1996). Estudo mais recente de Williams e colaboradores (2004) sugere que essas diferenças de ativação da amígdala frente a faces felizes ou tristes são influenciadas por mecanismos atencionais, sendo que estímulos ameaçadores (faces de medo) causam mais ativação na amígdala quando o estímulo é processado de forma inatencional.


Apesar da dificuldade em se determinar quais regiões compõe o que se conhece como “cérebro emocional”, ou seja, aquelas fortemente ligadas a processos afetivos, é possível destacar as mais frequentes em estudos de neurociência. Os principais seriam: amígdala, núcleo accumbens (NAcc), hipotálamo, córtex cingulado anterior (CCa), ínsula anterior e CPFVm; mas também área tegmentar ventral (ATV), hipocampo, entre outros (Mitchell, 2011; Pessoa, 2008). Apesar do desejo de cunhar um sistema específico relacionado a emoções (expresso no termo sistema límbico), nenhuma dessas regiões é melhor definida como puramente afetiva. Embora o sistema límbico tenha sido o sistema neural mais famoso do século XX, não há uma definição genericamente aceita para ele (Pessoa, 2008). O termo “límbico” é em si problemático, historicamente[3] ligado a diversas funções, como aprendizado e memória, processamento sensorial e cognitivo, funções motoras e emoções.

Como já discutido, acredita-se que computações funcionais comuns subjazam tomada de decisão e regulação emocional (Mitchell, 2011). De novo, uma revisão dos principais trabalhos científicos atuais deixa clara a sobreposição de circuitarias em comportamentos variados. É possível, entretanto, observar que há uma tendência a se considerar que regiões ventrais do córtex pré-frontal estariam primordialmente envolvidas na antecipação de resultados de escolhas, em especial, com a valência afetiva resultante (Coricelli, et al., 2007; Naqvi et al., 2006), ou ainda, com inferência de valor em relação ao objetivo da ação (Hare et al., 2009). Essas estruturas seriam essenciais para a alteração de comportamento quando as recompensas aprendidas não são recebidas com a ação (Mitchell, 2011), fundamentais também na modulação do comportamento social (Anderson et al., 1999; Finger et al., 2006; Lieberman, 2007). Já regiões dorsais do córtex pré-frontal estariam relacionadas mais diretamente ao controle do comportamento, ao auto-controle (Dolan, 2002; Hare et al., 2009; Steinbeis et al., 2012) – importante também nas interações sociais (Lieberman, 2007; Sanfey et al., 2003).


Vale destacar o bonito estudo de Steinbeis, Bernhardt e Singer, explorando a ontogenia da tomada de decisão, baseando-se na premissa de que o CPFDl é importante tanto na implementação do controle do comportamento econômico quanto àquele relacionado ao cumprimento de normas sociais (Steinbeis et al., 2012). Neste estudo com crianças e adultos, observou-se que alterações na estratégia do comportamento podem ser melhor explicadas por diferenças individuais relacionadas ao controle do impulso, subjacentes ao CPFDl. Também notaram diferença de espessura cortical relacionada à estratégia comportamental, podendo refletir uma plasticidade neural dependente de diferenças individuais na prática diária do controle do comportamento. Seus resultados apontam para a ideia de que a razão prima para o comportamento egoísta em crianças com desenvolvimento normal não é resultado da ignorância das normas sociais (crianças pequenas foram capazes de identificar comportamentos sociais justos e injustos, mas falharam em se comportar de maneira coerente com essas observações, não inibindo comportamentos impulsivos), mas sim da inabilidade de implementar o comportamento “certo” em situações concretas, com fortes incentivos auto-centrados. Caberia, portanto, aos adultos o papel de ajudar as crianças a agirem no sentido do que elas já parecem saber, treinando a regulação do impulso e auto-controle (ou seja, educando).


Na integração de processamentos sensorial, afetivo e visceral, a ínsula anterior também desempenha importante papel, sendo uma das estruturas responsáveis por integração visceral, alerta autonômico e emoção (Critchley, 2005; Singer et al., 2009). Ela está relacionada, por exemplo, a preferências de produtos de consumo, envolvida na antecipação de ganhos (Knutson et al., 2007). Em jogos, ofertas injustas ativam a ínsula anterior mais fortemente quando o indivíduo se acredita jogando com uma pessoa do que quando está jogando com o computador (Lee, 2006), sendo que respostas injustas e não-confiáveis em jogos de confiança ativam essa região (Lieberman, 2007; Livet, 2010). A ínsula também tem sido implicada centralmente em emoção, incerteza e aversão a risco: recompensa e risco parecem ser codificados em muitas das áreas cerebrais envolvidas diretamente no processamento emocional, incluindo a ínsula e áreas dopaminérgicas do mesencéfalo. Estas últimas, por sua vez, estão implicadas tanto em emoções positivas quanto negativas, comportamento motivado, e emotividade em desordens afetivas (Quartz, 2009). Curioso observar que, na tomada de decisão, quando pessoas precisam escolher entre ficar com uma opção padrão pré-determinada (chamada de default) ou mudar para uma opção alternativa, nota-se uma consistente tendência a se escolher a opção pré-determinada. E maior tendência a mudar e decidir por outra opção que não a padrão é associada a atividade diminuída na ínsula anterior. Especula-se que, nesse caso, escolher a opção padrão possa ser recompensador em si mesmo (Yu et al., 2010).


A maior parte das projeções dopaminérgicas está relacionada a motivação, reforço, expectativa de recompensa e risco (Critchley, 2005; Preuschoff et al., 2006), sendo central no estudo de drogas de abuso. Porém, a dopamina é também um facilitador de ações vigorosas: sua ausência pode levar aos movimentos comprometidos como na doença de Parkinson, assim como seu excesso pode levar a hiperatividade e movimentos estereotipados. Mais recentemente, teorias de aprendizado de reforço defendem que dopamina está envolvida em aprendizado quando o comportamento está associado com recompensa (Cools et al., 2010). Entretanto, acredita-se que efeitos da manipulação deste neurotransmissor tendem a ser mais importantes no desempenho do que no aprendizado em si (Berridge, 2007).


Similarmente à dopamina, a serotonina apresenta associações tanto afetivas quanto de ativação (tanto o processamento aversivo quanto a inibição do comportamento são proeminentes nos dados sobre a função serotoninérgica) – Cools et al., 2010. Metabólitos serotoninérgicos estão diminuídos em desordens como a agressão impulsiva, violência e mania, caracterizados pela desinibição comportamental e processamento aversivo reduzido (eventos aversivos ativam neurônios serotoninérgicos e diminuição de serotonina central desinibe respostas que são punidas por um resultado aversivo). Porém, assim como na impulsividade, baixos níveis de serotonina também estão relacionados a depressão (caracterizada pela redução do vigor comportamental e aumento de processamento aversivo, com estímulos negativos tendo um maior impacto no comportamento e na cognição). Teorias recentes sugerem que o vínculo entre serotonina e depressão deva ser indireto e mediado por aprendizado associativo e/ou desinibição de pensamentos negativos. A tese dominante em relação à serotonina é de que ela desempenha um papel de neutralização da impulsividade, possivelmente reforçando aversão e aumentando a inibição comportamental – como na escolha de recompensas maiores e tardias (Doya, 2008). Sub-regiões dos núcleos da base e vias dopaminérgicas mesocorticais estariam relacionadas a recompensa e vício, enquanto vias serotoninérgicas pré-frontais estariam envolvidas em aprendizado condicionado ao reforço (Gutnik et al., 2006).


Os núcleos da base são um conjunto de núcleos subcorticais que, através de projeções para o tálamo, atua como fino modulador da atividade cortical. Este conjunto de estruturas profundas do telencéfalo inclui caudado, globo pálido e putâmen, e também estruturas diencefálicas e mesencefálicas: núcleos subtalâmico e accumbens, e substância negra (porção compacta e reticulada) – Martin, 2003. Existe uma organização de chegada e saída de informações nos/dos núcleos da base, sendo o estriado (composto pelo putâmen e caudado) a estrutura de entrada, ou seja, que recebe projeções corticais. O sistema palidal (substância negra reticulada, globo pálido interno e pálido ventral) é o sistema de saída, de onde partem vias para núcleos específicos do tálamo (e também para o tronco encefálico), seguindo daí de volta para o córtex de origem. Assim, regiões corticais associativas e sensório-motoras projetam para o caudado e putâmen, respectivamente, e regiões “límbicas” têm projeções para o núcleo accumbens, formando circuitos de alças paralelas – lesões específicas em determinadas alças levam a déficits específicos. Exemplo disso são lesões na alça do núcleo accumbens para regiões envolvidas com afeto, que resultam também na síndrome conhecida como transtorno obsessivo compulsivo (toc), ou ainda a síndrome de Tourette, condição em que o indivíduo apresenta múltiplos tiques, associados à vocalização involuntária (Brodal, 2004). Há também uma circuitaria intrínseca, composta pelo globo pálido externo, substância negra reticulada, núcleo subtalâmico e ATV. Projeções do estriado podem ser diretas para o pálido, ou indiretas, quando passam pela circuitaria intrínseca. Essas projeções têm importante papel funcional, sendo a via direta inibitória (facilitadora do movimento) e a via indireta excitatória (inibidora do movimento). Os núcleos da base possuem intensas projeções para o córtex frontal, explicando porque lesões nessas estruturas não levam apenas ao comprometimento motor característico, por exemplo, da doença de Parkinson[4], mas também ao prejuízo cognitivo e emocional verificado nos déficits desses pacientes na tomada de decisão (Antonelli et al., 2011; Platt, Huettel, 2008).

Os núcleos da base estão também envolvidos em aprendizagem de recompensas. Em jogos que envolvem interações sociais, por exemplo, respostas injustas e não-confiáveis em jogos de confiança ativam a ínsula, caudado e CPFDm (Lieberman, 2007). Indivíduos que apresentam forte ativação no caudado (estriado anterior dorsal), por exemplo, gastam mais dinheiro punindo traidores (Quervain et al., 2004). Acredita-se que projeções aferentes para o estriado dorsal são cruciais para o aprendizado de ações que maximizam recompensas, enquanto projeções para o estriado ventral (incluindo o NAcc) têm função fundamental na previsão de recompensas e aprendizado pavloviano (Singer et al., 2009; Rademacher et al., 2010). Entretanto, há estudos que relacionam o NAcc à antecipação de perdas, ao afeto negativo, como o que ocorre quando o indivíduo faz escolhas de compra de produtos com preços abusivos (Knutson et al., 2007).


Assim, na tomada de decisão, o estriado é importante na avaliação de resultados (Coricelli et al., 2007) – talvez fundamental para o aprendizado inicial, não para aprendizados já consolidados (Ashby et al., 2010). Ademais, a dopamina parece desempenhar um papel cada vez menor na expressão do comportamento ao longo do treinamento (ou seja, com o aprendizado). Comportamentos automatizados se tornam “independentes” de atividades no estriado e de ativação dopaminérgica: conforme o comportamento se automatiza, regiões corticais que contribuem para representações do valor do resultado esperado desempenham papel cada vez menor. Isso ajuda a explicar porque a alteração de um comportamento aprendido é muito custosa. Gregg e colaboradores mostraram, por exemplo, que informações tendenciosas aprendidas sobre um grupo social fictício não são reversíveis com a mesma facilidade com que são aprendidas (Gregg et al., 2006). Essa dificuldade em se alterar comportamento é também crítica quando se considera campanhas públicas de comunicação de risco, por exemplo, de controle de doenças (como a dengue e a AIDS) ou de economia de água e energia. Isso também se manifesta nos preconceitos socais. Preconceitos raciais, por exemplo, igualmente envolvem um sistema de punição e recompensa (Amodio, Lieberman, 2009). Estudos mostram que associações implícitas negativas em relação a um grupo social podem resultar em uma respostas emocional automática a membros daquele grupo. Por outro lado, é possível controlar atitudes negativas ativadas automaticamente, e neste caso áreas associadas a inibição, conflito e controle são ativadas, como regiões dorsais do córtex pré-frontal e córtex cingulado anterior (CCa) (Amodio et al., 2006; Amodio, Lieberman, 2009; Cunningham et al., 2008; Harris, Fiske, 2006)[5].


Assim, a escolha das pessoas com as quais o indivíduo divide sua vida, qual profissão segue ou qual marcas de produtos prefere são resultados de um conjunto de atividades neurais envolvidas em uma valência afetiva, derivada de punições e recompensas aprendidas ao longo de sua vida. A tomada de decisão é, em última instância, resultado de interações de vias inibitórias e excitatórias envolvendo principalmente núcleos da base, córtex, amígdala, hipocampo e ATV. Essas interações, selecionadas ao longo da evolução, interagem de tal forma a garantir a sobrevivência do indivíduo. Para isso, é importante que ele reconheça, em especial, estímulos a ele aversivos. Pode-se esperar, portanto, que o sistema seja capaz de integrar valência negativa, cognição e dor. De fato, estudos com imageamento sugerem que afeto negativo, dor e controle cognitivo[6] ativam uma mesma região do córtex cingulado dorsal, o córtex cingulado médio anterior (CCMa) – Shackman et al., 2011. Estudos anatômicos revelam que o CCMa se constitui em um “nó” onde informações sobre reforços são ligadas a centros motores responsáveis por expressar afeto e executar comportamentos direcionados ao objetivo. Esses achados são congruentes com outros estudos que também sugerem a co-ativação do córtex cingulado dorsal e da ínsula ser característica tanto de estados de alerta visceral induzido por dor, de estímulos emocionais (como ameaças), quanto de estados de engajamento cognitivo (Critchley, 2005).


Todos esses três domínios (afeto, dor e controle cognitivo) são similarmente afetados por manipulações da incerteza em questão (frequentemente descrita em termos de ambiguidade e risco). A redução da predição de uma ameaça física, por exemplo, amplifica taxas de ansiedade e medidas periféricas de afeto negativo, como a resposta elétrica da pele (GSR), ativando o CCMa. Da mesma forma, incerteza quanto ao momento em que ocorrerá ou quanto à magnitude de um estímulo doloroso aumenta o desprazer com a dor e pode alterar funções psicofísicas (Shackman et al., 2011). Como mencionado, tarefas de tomada de decisão econômica ativam o CCMa, em especial no processamento cognitivo de conflitos inerentes à escolha (Gutnik et al., 2006). Além disso, a manipulação desses três domínios amplifica medidas de atividade autonômica e afeto negativo (dor e controle cognitivo aumentam a condutância elétrica da pele, por exemplo). Essa manipulação pode produzir distintas alterações na musculatura facial (que seria modulada pelo CCMa por meio dos núcleos faciais), e alterações em um desses domínios poderiam modificar a medida dos outros dois (afeto negativo pode prejudicar o desempenho em tarefas que requerem forte engajamento cognitivo, enquanto controle cognitivo pode atenuar a intensidade de afeto negativo e de dor).


Juntas, essas observações podem ser usadas para se inferir que a função comum implementada pelo CCMa é sensível a certezas a respeito de ações (que resposta dar) e resultados (a magnitude e probabilidade dos reforços obtidos ou evitados em decorrência dessas ações). Em sua extensa revisão da literatura, Shackman e colaboradores propõe que aquela região implementa o controle adaptativo, sintetizando informações sobre punição vindas da amígdala, ínsula e outras regiões, em um sinal capaz de modular centros motores ou regiões subcorticais que influenciam mais diretamente comportamentos defensivos (Shackman et al., 2011). Em resumo, há evidências de que afeto negativo, dor e controle cognitivo são anatômica e funcionalmente integrados no CCMa, que usa informações sobre punições para influenciar respostas quando a ação mais adaptativa é incerta.

Curioso pensar a respeito da consideração de Shackman e seus colaboradores: eles dizem que talvez o maior desafio seja determinar se o controle adaptativo é específico a punições, ou se estende-se ao comportamento motivado por recompensas. Ao estudar comportamentos, cientistas olham para o sistema anatômico-funcional que o gera e inferem que ele busca prazeres e evita riscos. Essa ideia, porém, pode ser questionada. Valor, moeda ou régua utilizada nesse processo de recompensa é um conceito criado na tentativa de entender esse mesmo sistema. Esse controle adaptativo que envolve dor, emoções de valência negativa e engajamento cognitivo pode ser modulador do comportamento humano, selecionando ações no sentido de minimizar experiências negativas; em última instância, a dor – o britânico Jeremy Bentham (1817, apud[7] Dayan, Seymour, 2009) talvez tenha sido um dos primeiros pensadores a propor que reduzir ou evitar dor é um dos principais moduladores de decisão.


A ínsula, por exemplo, assim como o CPFDm, é ativada quando o indivíduo tem a experiência negativa de receber ofertas injustas de um comparsa. Pode ser que isso se dê pelo fato de ele estar esperando a cooperação, e a traição ser um evento que promove a surpresa engajadora de maior esforço cognitivo. Pode ser, porém, que o sistema tenha sido selecionado para responder a estímulos ameaçadores. A amígdala, outro exemplo, responde rapidamente a estímulos de conteúdo afetivo negativo, não a estímulos positivos (os primeiros sendo muito mais relevantes para a sobrevivência do organismo). Como já dito, nessa mesma estrutura, junto ao CPFVm, resultados negativos prévios parecem guiar ações futuras. Pode-se argumentar, entretanto, como seria então possível explicar o comportamento de busca por estímulos que causariam prazer, como o pressionar de uma barra por um rato em troca de água adocicada, ou no uso de drogas de abuso, ou ainda hobbies com os quais pessoas gastam suas economias e, principalmente, seu tempo? Esses comportamentos podem ser busca por minimizar um desprazer, aprendidos por associação, ao longo da história de vida do organismo. Nas palavras do médico e biólogo evolucionista norte-americano Randolph Nesse, emoções maximizam o sucesso da sobrevivência da espécie, não felicidade (Nesse, 1998).


Em resumo, o conteúdo afetivo dos possíveis resultados de uma decisão é determinante para a escolha. Pessoas que têm propensão a risco e aquelas que têm forte aversão a ele avaliam de maneiras distintas o afeto negativo relacionado a risco, possuindo diferentes tolerâncias aos resultados negativos. Como consequência, decorrências desagradáveis são menos aceitas por essas últimas, que para minimizar a chance de obtê-las optam por não se arriscarem ou se arriscarem menos. De maneira geral, pessoas com dimensões maiores de CCMa reportam maior predisposição a experimentarem afetos negativos, apresentam elevada atividade elétrica de pele e atividade no CCMa durante tarefas de condicionamento aversivo, adicionada de maior sensibilidade à dor experimental (Shackman et al., 2011).

Essa estreita relação entre emoção negativa e dor também se estende ao que se chamou de dor social. A necessidade de pertencimento a um grupo é definida como um prazer afetivo relacionado a interações estáveis com outras pessoas (sua ausência está ligada a uma variada gama de alterações psicofisiológicas, como depressão, ansiedade e estresse) – Baumeister, Leary, 1995. A segregação ou exclusão deste grupo, de longo ou curto prazo, leva à experimentação da dor social. Humanos detectam e sofrem ao menor sinal de ostracismo, sendo ele um aviso social poderoso na geração de afetos negativos (Zadro et al., 2003)[8]. Assim, estímulos usados em estudos com indução de emoções negativas podem ser equivalentes à aplicação de estímulos dolorosos somatossensoriais (Amodio, Frith, 2006), compartilhando o mesmo substrato neural (Eisenberger et al., 2006; Kross et al., 2011).

Apesar de terem a mesma base biológica e os mesmos objetivos como espécie, seres humanos decidem de maneira bem diversa. Como já discutido, o que para um indivíduo é repulsivo como resultado de uma escolha, para outro é estimulante. Um escalador, por exemplo, vê na altura um estímulo positivo, enquanto para a maioria das pessoas ela é, no mínimo, algo preocupante. Um exemplo menos extremo seria o perfil de investidores. Algumas pessoas preferem investimentos agressivos, de alto ganho e alto risco, enquanto outras se pautam por sua preferência pelo investimento mais seguro. Porém, se tomada de decisão é modulada por processos emocionais no sentido de minimizar resultados “dolorosos”, diferenças individuais relacionadas a impulsividade e busca por sensações poderiam ser preditores de percepção de dor.


Esta ideia é o cerne de um dos objetivos deste estudo: explorar se indivíduos extremamente avessos a risco financeiro teriam percepção de dor diferente daqueles que se arriscam mais e são mais impulsivos em relação a finanças. Porém, não apenas a dor física, mas também a dor social (Eisenberger et al., 2003; Kross et al., 2011; Lamm, Singer, 2010) e a dor a que chama-se de “imagética”, referente ao desprazer em se observar imagens de valência afetiva negativa (segundo classificação do International Affective Picture Set [IAPS] – Bradley, Langer, 2007). Estudos recentes oferecem indícios para esta ideia. Eles sugerem, por exemplo, que pessoas apresentando alto neuroticismo[9] e baixa extroversão experimentam maior sensibilidade à dor física (Paine et al., 2009). Por outro lado, indivíduos que tendem a se arriscar apresentam altas pontuações de extroversão e baixas de neuroticismo (Nicholson et al., 2005). Pode-se inferir que pessoas com tendência a risco poderiam também apresentar maior tolerância a dor.


Aversão a risco é de especial interesse em estudos de decisões financeiras, em que indivíduos ganham, perdem, e trocam quantias em dinheiro. E a forma como características individuais de aversão a risco modulam a aquisição de informações do cenário de escolha pode ser estudada através da observação da atenção visual.


[1] Paul Jackson Pollock (1912/1956) foi um dos maiores nomes da pintura expressionista no séc. XX. [2] Note que funções integrativas e modulatórias serão atribuídas a diferentes estruturas ao longo deste capítulo, evidenciando a profunda sobreposição de circuitarias e estruturas em funções no comportamento, variando o destaque de acordo com a pesquisa e/ou o autor. [3] O termo “lobo límbico” foi cunhado pela primeira vez por Paul Broca, em 1878. Sem levar em conta aspectos funcionais, Broca identificou estruturas que circundavam o corpo caloso, formando um ‘C’, contendo o giro do cíngulo, o giro parahipocampal e o giro subcaloso (do latim, limbus significa borda, fronteira). Anos mais tarde, James Papez reformulou a ideia, defendendo que este lobo estava relacionado à expressão de emoções. Toda estrutura que se relacionava ao hipotálamo era incluída no sistema, muito heterogêneo e pobre em uma unidade morfo-funcional que o identificasse. [4] Resultado do desequilíbrio entre as vias diretas e indiretas. Vale destacar que os núcleos da base têm também uma via ínfero-temporal que modula a área visual 3 (V3), explicando o motivo de serem as alucinações visuais um possível efeito colateral do uso de fármacos precursores de dopamina, ministrados a pacientes parkinsonianos. [5] Cunningham e colaboradores mostraram que em exposições curtas (30 ms) a faces de pessoas negras (para sujeitos brancos), alta atividade na amígdala foi identificada. Porém, com altas exposições (525 ms), regiões dorsais do córtex pré-frontal se mostraram muito ativadas, supostamente refletindo o esforço do indivíduo para modular sua atitude (Cunningham et al., 2008). [6] Controle cognitivo se refere a processos que interrompem ou ajustam comportamento, orientando-o a ocorrências salientes (Critchley, 2005). [7] Bentham J. A Table of the springs of Action, Showing the Several Species of Pleasures and Pains, of which Man's Nature is Susceptible. London: London R. & A. Taylor; 1817. [8] Interações sociais são tão importantes para a saúde humana a ponto de levar especialistas a sugerirem a inclusão do tópico “nível de confiança nos vizinhos” como necessário em índices nacionais de estimativa de bem-estar (Diener e Seligman, 2004). [9] Neuroticismo é caracterizado como tendência de um indivíduo a experimentar afetos negativos, acompanhada de maior sensibilidade a dor física, distúrbios do sono e depressão (Eisenberger et al., 2005; Eysenck, 1967). O oposto a ele é “estabilidade emocional”, que se refere à habilidade de o indivíduo reagir de maneira apropriada a eventos de expressivo conteúdo emocional (Iaria et al., 2008).

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