“A great many people think they are thinking when they are merely rearranging their prejudices”
(William James)
Entender e prever tomada de decisão em humanos é um dos maiores desafios da neurociência cognitiva atual. Muitos estudos abordam fragmentos do tema, sem, entretanto, chegar a uma proposta integrativa, robusta o suficiente para explicar e prever escolhas. Sob o ponto de vista evolutivo, decidir com eficiência frente à pressão do meio é fundamental para a sobrevivência de uma espécie. A adaptação às características e alterações do ambiente diz respeito a um extenso espectro de escolhas, desde comportamentos elementares, como beber quando se tem sede, até mais elaborados, como a escolha da própria profissão. O desafio é sistematizar as interações de variáveis internas e externas ao indivíduo que subjazem todos esses processos.
De maneira geral, estudos de tomada de decisão abordam escolhas e julgamentos considerando conceitos de risco, incerteza, ambiguidade, recompensa, valor, e até mesmo arrependimento, inerentes a escolhas. As definições de cada um desses termos variam entre estudos, norteando ferramentas escolhidas e conclusões obtidas. Neste item, conceitos comuns destes termos são abordados, bem como os principais modelos de tomada de decisão da área de neurociência cognitiva e economia.
Risco pode ser definido como a variância da recompensa (Preuschoff et al., 2006). Em economia, ele existe quando apesar de não haver o conhecimento seguro do resultado de uma ação, sua probabilidade de acontecimento é conhecida (Kahneman, Tversky, 1979). Já que associações entre ação e resultado são probabilísticas, toda decisão envolve algum grau de risco (Rangel et al., 2008). Valor, por outro lado, se refere à percepção do organismo se eventos do ambiente são mais ou menos desejáveis (Dolan, 2002). Ou seja, quanto menos aversivo o estímulo, maior seria seu valor. Foi Blaise Pascal quem popularizou a ideia de “valor esperado”; o valor que se obteria com a escolha multiplicado pela probabilidade de sua ocorrência, importante em estudos de tomada de decisão econômica (Platt, Huettel, 2008).
Valor esperado é, entretanto, um preditor pobre da tomada de decisão em humanos. Platt e Huettel fornecem um bom exemplo do porquê disso: imagine que um sujeito está em um programa de TV em que há um de dois prêmios restantes contido em uma mala – um prêmio de 500 mil dólares ou outro muito inferior de 1 dólar. O apresentador do programa oferece 100 mil dólares pela mala, e o sujeito precisa escolher entre um ganho certeiro de 100 mil ou 50% de chance de ganhar 500 mil. A maior parte das pessoas, nessa situação, opta pela escolha mais segura (os 100 mil dólares), mesmo sendo mais baixo o valor esperado dessa opção. Esse fenômeno, em que o decisor sacrifica o valor esperado pela certeza, é conhecido como “aversão a risco”. Maior ainda é a aversão quando é necessário escolher sem que as probabilidades dos resultados sejam conhecidas (situações de ambiguidade, discutidas adiante) comparadas com opções em que elas são conhecidas (situações de risco), mesmo quando o valor esperado de cada uma é o mesmo (Seymur, Dolan, 2008). Entretanto, a influência de riscos e recompensas nos processos de escolha dependem também de outros fatores. Por exemplo, a condição financeira de quem está participando do programa citado (se é alguém que trabalha nas ruas com comércio informal, ou se é um milionário) e sua história de tomada de decisão. Baseado nisso, Bernoulli (1738, apud[1] Platt, Huettel, 2008) sugeriu que decisões dependem de “valores subjetivos”, ou “utilidades subjetivas” – o que levou a modelos de decisão baseados em “utilidade esperada”. A ideia mais importante é que valor não é meramente transduzido do ambiente, mas depende de estados subjetivos do indivíduo (Quartz, 2010).
Apesar de modelos de utilidade esperada[2] serem teoricamente poderosos para explicar decisões sob incerteza, eles com frequência falham em descrever tomada de decisão na vida real (Camerer, 1981). No cotidiano, a distribuição de resultados de escolhas é geralmente desconhecida. Por exemplo, não se pode saber todas as consequências de se escolher uma ou outra profissão (ou mesmo um ou outro roteiro de viagem). Ambiguidade ocorre quando não se tem conhecimento sobre as probabilidades de resultados da escolha (como abordado, em escolhas com risco, a probabilidade de resultados é conhecida), e na maior parte dos casos, pessoas são mais avessas a ambiguidade do que a risco (Ellsberg, 1961; Rangel et al., 2008). Na ambiguidade, a incerteza é máxima, e frequentemente, incerteza é descrita em termos de ambiguidade e risco (Shackman et al., 2011) – há também modelos que convertem ambiguidade em risco, considerando-a apenas como uma situação de risco alto (Gutnik et al., 2006). De maneira geral, para entender tomada de decisão, seria preciso conhecer como o sistema nervoso responde e usa informações sobre incerteza (Platt, Huettel, 2008). Sabe-se que ela enviesa fortemente escolhas, que esse viés varia de indivíduo para indivíduo e sistemas neurais específicos contribuem para a tomada de decisão com incerteza.
Economistas e psicólogos têm estudado como incerteza influenciam escolhas. Abordando desvios em relação aos modelos de utilidade esperada, Tversky e Kahneman (1979) propuseram a teoria do prospecto (prospect theory[3]), que define diferentes funções para como pessoas julgam a probabilidade e como convertem valores objetivos em utilidade subjetiva. Segundo Tversky e Kahneman, pessoas têm aversão a risco para ganhos e tendência a risco para perdas. Ou seja, quando o indivíduo precisa decidir entre ganhar $1 com certeza ou $2 com probabilidade de 50% (versus 50% de ganhar $0), geralmente opta por $1 com certeza. Paralelamente, quando decide entre perder $1 com certeza ou perder $2 com probabilidade de 50% (versus 50% de perder $0), opta por esta última opção, preferindo o risco de perder $2 (versus $0) à certeza de perder $1. Além disso, na maioria das vezes, recompensas maiores são preferidas a menores, e riscos menores a maiores (Platt, Huettel, 2008; Preuschoff et al., 2006; Rademacher et al., 2010). Quando risco e recompensa estão proporcionalmente associados, por exemplo, a maioria dos indivíduos opta por um menor risco acompanhado de uma menor recompensa (Bechara et al., 1994; Holt, Laury, 2002).
Há modelos que dividem o processo decisional em etapas, nas quais existiriam múltiplos tipos de sistemas de atribuição de valor: o pavloviano[4], o de hábitos e aquele direcionado ao objetivo (Rangel et al., 2008). Segundo eles, o sistema pavloviano atribuiria valor a apenas um pequeno conjunto de comportamentos inatos e, portanto, tem um repertório comportamental limitado. Em contraste, sistemas de hábito poderiam aprender a atribuir valor a um maior número de ações (por exemplo, o desejo de um fumante fumar cigarro em determinada hora do dia). O sistema de comportamento direcionado ao objetivo, por outro lado, atribuiria valores a ações computando associações de ação-resultado, avaliando as recompensas associadas com os diferentes resultados (por exemplo, a escolha de uma pessoa que está em dieta entre comer ou não um doce). Segundo este modelo, o valor atribuído a uma ação pode depender do risco associado a cada recompensa, do atraso em que a recompensa ocorre e do contexto social.
Outros modelos baseiam decisão em antecipações de prazeres futuros (Mellers, McGraw, 2001). Segundo eles, quando tomam decisões, pessoas antecipam como se sentiriam frente aos resultados futuros de suas escolhas e usam esses sentimentos como guias para a decisão. Prazeres e dores de resultados futuros seriam pesados de acordo com a probabilidade de ocorrerem. Essa teoria reflete o fato de que, na literatura, assume-se amplamente que escolhas são moduladas pela comparação de valores subjetivos de resultados dessas escolas. Muito pouco se sabe, porém, sobre como esses valores são computados, construídos ou comparados ao longo do curso de uma única ação (Constantino, Daw, 2010; Rangel et al., 2008). Ou seja, valor é em si um conceito abstrato, soando como uma explicação a posteriori de um fenômeno desconhecido. Exemplo é a ideia de que na tomada de decisão se busca o maior prazer, e não o menor desprazer. Em escolhas, a recompensa pode não ser o maior ganho, mas a menor perda, o desprazer com um resultado ruim pode ser maior do que o prazer com o bom resultado (Mellers, McGraw, 2001). É possível que na avaliação de consequências, o sistema funcione no sentido de evitar estados afetivos desagradáveis, mais do que garantir estados agradáveis. Uma evidência disto seria a tendência a superestimar perdas em comparação com ganhos (aparente na aversão a risco), relacionada à dominância de respostas automáticas a perdas (Camerer, 2005) – como discutido adiante, controle cognitivo, importante para tomada de decisões complexas, compartilha substratos neurais com afeto negativo e dor física.
Pode-se considerar que aversão a risco é a tendência, na tomada de decisão, a desfavorecer opções com recompensas mais variáveis comparadas a outras mais estáveis (Cools, et al., 2010). Ela é observada entre diversos animais, de primatas a peixes, indicando a importância da representação de expectativas de recompensa e risco entre organismos que sejam confrontados com incerteza. Aspecto menos explorado em pesquisas é que aversão a risco pode ser considerada traço evolutivo importante para a manutenção de um grupo social (Taleb, 2007)[5]. Seria uma estratégia bem-adaptada se grupo social agisse no sentido de minimizar resultados aversivos ou de maior ameaça para a estabilidade geral, e que apenas eventualmente tomasse riscos maiores em troca de benefícios potencialmente maiores – em especial em momentos de crise, como falta de recursos ou/e guerras.
Porém, indivíduos de uma sociedade não são todos sistematicamente avessos a todo tipo de risco. Existe um espectro de tolerância a risco, em diversos domínios, que varia de pessoa para pessoa, de acordo com características individuais (Franken, Muris, 2005; Slovic, 1964; Weber et al., 2002). A identificação de fenótipos de risco é, entretanto, um desafio (Platt, Huettel, 2008). Isso porque tendência a risco é específica para os diversos domínios da vida do indivíduo, não sendo ele avesso ou tendencioso a risco consistentemente em todos os domínios (Weber et al., 2002). Um mesmo indivíduo pode, por exemplo, ser extremamente avesso a risco financeiro e um apreciador de esportes de aventura, em que o risco de segurança é alto. Ao longo dos cinco grandes domínios em que pessoas diferem quanto à tolerância a risco (financeiro, social, aventura, saúde/segurança e ético) propostos por Weber e colaboradores, entre os 126 voluntários estudados, nenhum deles foi classificado como avesso a risco em todos os cinco domínios. Outro problema é que a forma de formular perguntas em questionários de risco leva a diferenças sistemáticas na aparente disposição de assumir riscos. Apesar dessas dificuldades, há um grandes ganho em se estudar diferenças individuais de aversão a risco, observadas também tanto em diferenças culturais (Weber, et al., 2002), quanto em diferentes padrões de atividade neural entre indivíduos que expressam distintas tolerâncias a risco (Iaria et al., 2008).
Portanto, no estudos de decisões econômicas, é fundamental considerar características pessoais de aversão a risco, e repensar o papel tradicional da emoção nas escolhas.Um dos objetivos deste estudo é explorar aversão a risco na tomada de decisão financeira, tanto em um jogo de aposta, quanto em uma tarefa de compra. Um dos fundamentos que o embalam é a ideia de que essas decisões são tomadas após a inferência de valor das opções de escolha. Essa inferência é também constituída de informações afetivas, que refletem uma tendência de humanos a evitar estados afetivos negativos. Disso, depreende-se que emoção e cognição são faces de uma mesma moeda, e a investigação sobre escolhas deve, necessariamente, levar isso em conta. Estudos neurais recentes em tomada de decisão, com aprendizado, motivação e saliência, são incapazes de oferecer uma distinção convincente entre contribuições cognitivas e emocionais para modelos de tomada de decisão e julgamento (Kuo et al., 2009; Livet, 2010; Pessoa, 2008; Quartz, 2010). De fato, o produto científico atual aponta para um conceito de modulação emocional dos processos decisionais (Frith, Singer, 2008; Seymour, Dolan, 2008; Mitchell, 2011). Nos próximos posts, discute-se qual foi o caminho percorrido pela psicologia, economia e neurociência para chegar até aqui e quais são as implicações das teorias atuais no estudo do comportamento.
[1] Bernoulli D. Specimen theoriae novae de mensura sortis. Commentarii Academiae Scientarum Imperialis Petropolitanae, 1738;5:175–192. [2] Em relação ao conceito de utilidade, economistas geralmente focam em uma medida de “utilidade de decisão”, o peso dado a potenciais resultados de uma escolha – conceito abordado neste trabalho. Porém, conceitos originais de “utilidade experimentada”, de Jeremy Bentham e outros autores do séc.XIX, focava na experiência imediata de prazer e dor. Outros autores destacavam a importância da utilidade em relação à antecipação de resultados positivos ou negativos, chamada de “utilidade de antecipação” (Fox, Poldrack, 2009). [3] “Prospecto” se refere a ações que têm recompensas incertas. A teoria da utilidade esperada e do prospecto são as duas dominantes em economia sobre como sistemas de avaliação incorporam probabilidade na avaliação de valor (Rangel et al., 2008). [4] O psicólogo e fisiologista russo Ivan Petrovich Pavlov perpetuou na história do estudo do comportamento seu experimento de condicionamento com cães – o condicionamento pavloviano. Nele, um estímulo neutro, como o acendimento de uma luz, sempre precede um evento importante, como o fornecimento de comida, que leva à salivação. O aprendizado da relação preditiva entre ambos leva à observação da salivação a partir do acendimento da luz. [5] Taled (2007) discute que a sociedade atual valoriza e torna públicas iniciativas inovadoras que deram certo e envolviam grandes riscos – financeiros e pessoais – com muito mais frequência do que iniciativas igualmente inovadoras que não deram certo. Isso aumentaria a miopia de se considerar comportamentos arrojados como inerentemente vantajosos. Segundo ele, best-sellers são escritos sobre a vida desses fundadores, não sobre a maioria de outros empreendedores que arriscaram e obtiveram resultados muito ruins (informações que seriam úteis para novos empreendedores, evitando erros passados). Resultados, de fato, mais comuns no mundo dos negócios: cerca de 60% dos novos negócios afundam em até 6 anos de vida, e apenas 29% continuam operando após 10 anos de sua fundação (Fontes: www.businessinsider.com e www.statisticbrain.com, acessados em 03/10/2013) – dados referentes ao mercado norte-americano; no Brasil, cerca de 50% dos novos negócios morrem em até três anos (Fonte: PEGN, SEBRAE, Agosto/2012). Em: <http://www.sebraepr.com.br/ PortalInternet /Noticia/ci.48%25-das-empresas-brasileiras-fecham-as-portas-depois-de-tr%C3%AAs-anos.print>. Acesso em 15/02/2014.
Comments