Mecanismos envolvidos na tomada de decisão compartilham recursos com aqueles relacionados a percepção de dor (física, social e imagética). Decisões são, também e principalmente, moduladas no sentido de se evitar resultados aversivos derivados da escolha. Já que esta forma de organização é a observada, certamente se mostrou (e provavelmente se mostra) mais bem adaptada às diversidades do meio na sobrevivência do organismo. E a busca por se evitar estados aversivos se aplica também a escolhas econômicas. Isso inclui jogos de apostas, investimentos e compras, que são decisões financeiras envolvendo gasto de dinheiro e diferentes intensidades de risco. Como toda decisão, a compra é também modulada por preferências individuais, incluindo diferenças em importância dada à duas principais variáveis envolvidas nela: preço e produto (ou serviço). Essas diferenças individuais modulam a atenção visual, responsável pela aquisição de informações do cenário de escolha. Primeiras fixações (realizadas nos primeiros centésimos de milissegundos da exploração visual), e o total de fixações e comparações (ou trocas) entre aquelas variáveis estão associados a escolhas e tendências pessoais quanto a sensibilidades a preço ou produto.
Uma das formas mais comuns de se estudar decisão financeira em laboratório é manipular a incerteza e/ou o risco subjacente(s) às opções de escolha. O fato de descontos fixos serem preferidos em detrimento daqueles envolvendo risco, por exemplo, assim como de apostas maiores serem menos comuns em probabilidades menores de ganho, são reflexo da pouca habilidade dos humanos na estimativa de probabilidades. Pessoas são melhores em prever consequências de um evento do que as chances de esse mesmo evento ocorrer (Taleb, 2007). Um indivíduo regular consegue oferecer boa descrição de quais seriam as consequências de um terremoto em São Paulo, mesmo que sua estimativa da probabilidade de que ele aconteça esteja distante de ser adequada. A previsão de probabilidades é influenciada, pelo menos, por efeitos de recência, pela valência afetiva do contexto, por vieses de otimismo, e por excesso de autoconfiança (ver Venkatraman et al. [2011] sobre vieses do otimismo e Payne e Wood [2002] sobre vieses de autoconfiança na previsão de probabilidades).
De maneira geral, durante a tomada de decisão, indivíduos inferem valores ou utilidades subjetivas em relação às opções de escolha e, a partir de simulações rápidas desses resultados, escolhem aquelas que apresentam consequências menos aversivas, ou, de maneira mais ampla, dolorosas (a habilidade de simular essas consequências se reflete no fato de o sistema nervoso ser quase tão preciso em perceber um estado quanto em simulá-lo). Decisões do presente são afetadas por aprendizado a partir de resultados de escolhas do passado, que influenciarão as do futuro. Sempre no mesmo sentido: evitar resultados aversivos; mesmo que um comportamento pareça justamente buscar dor ou perigo. Exemplos vão desde fazer uma tatuagem, a pular de para-quedas, ou participar de ações mais extremas, como suicídios em massa (exemplos são os realizados pelos pilotos japoneses durante a segunda grande guerra, que lançavam suas aeronaves em aviões inimigos [conhecidos como kamikases], ou como quando 39 pessoas se suicidaram na Califórnia em 1997 para seguir a trilha do cometa Hale[1]). O resultado aversivo não é necessariamente dor física. Mas uma dor mais ampla, que se busca evitar ou minimizar, mesmo que ao custo de dores menores no caminho (sejam físicas, sociais, imagéticas). Esse efeito poderia estar relacionado ao fato de recompensas antecipadas serem capazes de levar à produção de opióides endógenos, que inibem respostas de dor – opióides afetam tomada de decisão também através da ativação da via dopaminérgica mesoestriatal, onde aumentam o limiar de resposta a um estímulo nocivo (Fields, 2007; Leknes, Tracey, 2008).
Portanto, aprendizado está atrelado à tendência geral em se evitar dor, de forma ampla. Dependendo da tendência individual de sensibilidade a preço ou estética em decisões de compra, essa dor é mais pungente em relação a se pagar mais caro por um produto ou a se escolher um produto não tão adequado aos próprios gostos. De novo, na antecipação de resultados, haveria uma tendência a se evitar consequências aversivas, que é a recompensa de fato. A tendência em se supervalorizar perdas em comparação com ganhos, aparente na aversão a risco, parece estar relacionada à dominância de respostas automáticas a perdas (Camerer, 2005; Seymour, Dolan, 2008), importantes para se evitar ameaças à sobrevivência.
É surpreendente, portanto, que a maior parte dos estudos de tomada de decisão em humanos foque em avaliações baseadas em ganhos, não em perdas (Dayan, Seymour, 2009). Ambos andam de mãos dadas, e parecem, inclusive, ser representados em regiões similares, incluindo o estriado, CPFVm e CCa, cujas ativações aumentam com ganhos potenciais e diminuem com perdas potenciais (Platt, Huettel, 2008; Tom et al., 2007). Inclusive, julgamentos de valor estão também relacionados a atividade no CPFVm (Glimcher, 2009; Smith et al., 2010), que junto a regiões anteriores da ínsula, está também associado diretamente a representações aversivas mais refinadas, como experiências hedônicas negativas conscientes (Craig, 2002). Ora, é de se esperar, portanto, que a avaliação de qualidades aversivas do resultado das ações desempenhe papel importante nas escolhas. Afinal, desta avaliação dependia e depende a sobrevivência do organismo, que evoluiu selecionado por um ambiente incerto, repleto de ameaças, em que o aprendizado de resultados aversivos derivados de escolhas tem papel decisivo. É mais importante reconhecer resultados ameaçadores do que recompensadores (e, de novo, estes últimos podem apenas ser a ausência ou minimização dos primeiros). No século XIX, Jeremy Bentham já defendia a existências de diversas modalidades de dores, e que perdas dirigem decisão no sentido de reduzi-las ou evitá-las (Bentham, 1817; apud Dayan, Seymour, 2008).
Decisões são resultados de interações entre características individuais, do contexto e do tempo em que ocorrem. O primeiro diz respeito à história de vida do indivíduo. O segundo, de características múltiplas do contexto de escolha, desde quem está com o indivíduo até o que ele está escolhendo. O terceiro refere-se a características temporais, à época em que a decisão ocorre (por exemplo, se ela se passa em um período de guerra, ou no fim da década de 60). As três influenciam diferentemente as escolhas.
A forma como o indivíduo calcula valor subjetivo (ou utilidade subjetiva) é responsável pelas manifestações de suas preferências na tomada de decisão. Como já discutido, não há uma ideia única e definitiva de como funcionam circuitarias ligadas a punição e recompensa na tomada de decisão. Estudos com imageamento indicam que aversão a perda está ligada à atividade do sistema dopaminérgico mesocortical, e especula-se que diferenças individuais de tolerância a risco possam envolver discrepâncias na ação da dopamina dessas áreas (Congdon, Canli, 2005; Tom et al., 2007). Outras regiões corticais e subcorticais estão também envolvidas nessas diferenças, como o córtex parietal posterior (ligado à inferência de valor subjetivo de uma ação), o CPFVm (aparentemente relacionado a codificação de valor subjetivo de um item, segundo alguns estudos), e o estriado dorsal e ventral (De Martino et al., 2009; Glimcher, 2009; Levy, Glimcher, 2012; Platt, Huettel, 2008). Quando decisões são baseadas na acumulação de informações a respeito de probabilidades, atividade nos córtex insular, pré-frontal lateral e parietal aumenta com o aumento de incerteza; essas regiões se sobrepõe a outras envolvidas em controle de comportamento (Miller, Cohen, 2001; Paulus et al., 2001). A amígdala também desempenha papel importante na tomada de decisão, desencadeando respostas autonômicas automáticas a estímulos que contenham carga emocional, como recompensas monetárias e punições (Gupta et al., 2011). Ou seja, influencia toda e qualquer decisão financeira. Aqui, interessante notar que um sistema que integre avaliação afetiva na inferência de valor é necessário não só para uma decisão economicamente vantajosa (como sugerem estudos com pacientes com lesão no CPFVm, de Damásio e seus colegas); conexões reduzidas entre amígdala e regiões corticais frontais têm sido relacionadas também a psicopatia (Terburg et al., 2011), sugerindo que a integridade de conexão entre regiões corticais frontais “de alta ordem” e estruturas subcorticais como a amígdala, seja fundamental para um sistema saudável de decisão.
Existem limitações para os estudos de tomada de decisão em laboratório, e há pelo menos três delas que merecem destaque. Primeiro, eles especificam claramente custos e benefícios de cada opção de escolha, simplificando sobremaneira o cenário de decisão em relação aos existentes em ambientes naturais. Segundo, resultados de escolhas no cotidiano muitas vezes não são imediatos como o são em laboratório (e alguns estudos driblam esta limitação apresentando apenas ao final da tarefa o resultado do conjunto de decisões – Stanton et al., 2011). Terceiro, dinheiro, recompensa comum em estudos de tomada de decisão econômica, pode não engajar estruturas corticais e subcorticais relacionadas à tomada de decisão da mesma forma como outras recompensas “naturais” o fariam (Dayan, Seymour, 2009). Obviamente, essas limitações não invalidam as informações vindas destes estudos, matéria-prima para o conhecimento a respeito de como pessoas se comportam. Exemplo disso são experimentos que deram origem a modelos que marcaram uma nova era de estudos de decisão na previsão de escolhas, como é o caso da teoria do prospecto (assumindo que pessoas se comportam não sempre da mesma forma, mas sempre de acordo com suas preferências, quando lidam com perdas e ganhos), de Kahneman e Tversky (1979).
Em suma, toda decisão bem-adaptada conta com um sistema capaz de integrar informações e simular resultados bons e ruins, o que pressupõe, necessariamente, uma avaliação afetiva do cenário de escolha. Não faz sentido, portanto, pregar a existências de dois tipos de decisões, um racional (resultando em escolhas mais bem-adaptadas, com resultados ótimos garantidos), outro emocional (supostamente gerador de escolhas mal-adaptadas e fonte de resultados desastrosos) – visão cuja gênese principal remonta às ideias do dualismo antropológico do século XVII. Similarmente, não faz sentido também a ideia de existirem dois sistemas na tomada de decisão: um lento, trabalhoso, deliberativo e previdente; e outro rápido, automático, inconsciente e focado no estado presente (Kahneman, 2003). Este talvez seja o modelo conceitual mais pervasivo e equivocado presente em teorias de decisão, que não à toa fracassa em encontrar assento junto às evidências em neurociência da tomada de decisão. Pelo menos por três motivos (Glimcher, 2009; Huettel, 2010): 1) regiões corticais, como o CPFVm e o CCa, são importantes tanto para cognição quanto emoção, em contextos distintos; 2) regiões-chave na ativação de outras áreas, como a ínsula e o CPFDm, não se encaixam bem em ambos os sistemas; e 3) estudos de conectividade funcional indicam o engajamento de um amplo conjunto de sistemas funcionando integrativamente, não de sistemas unitários. Reflexo de que não há sistemas verdadeiramente separados para emoção e cognição, já que comportamentos complexos, que envolvem cognição e emoção, emergem de interações dinâmicas entre redes neurais (Pessoa, 2008). Modelos que postulam o envolvimento de um conjunto de sistemas que de maneira integrada resulta em decisão corresponderiam melhor, portanto, aos mecanismos flexíveis e adaptativos observados na tomada de decisão.
Este texto se fundamenta na concepção de que escolhas são resultados da integração funcional de sistemas relacionados a afeto negativo e cognição, e afeto negativo corresponde a experiências de desconforto ou dor em diversas dimensões. Diferenças individuais modulam a forma de aquisição de informações na decisão, refletindo-se, ao menos, na atenção dedicada a elementos presentes no cenário de escolha, bem como tolerância a risco financeiro. Para a construção de um modelo mais amplo de tomada de decisão, é importante incorporar elementos funcionais próprios da percepção de dor (e aversão a risco) e atenção visual, bem como diferenças individuais, na tomada de decisão.
[1] Em: <http://en.wikipedia.org/wiki/Heaven%27s_Gate_(cult)>, acessado em 04/02/2014
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